O advogado Cristiano Roveda, especialista em Direito Empresarial, sócio da Roveda & Marcelino Sociedade de Advogados e membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR, foi o convidado do GoNext Fórum desta terça-feira (31/03). Roveda apresentou o tema “Impacto sobre contratos interempresariais, resolução e reequilíbrio contratual e a exclusão da responsabilidade pelo inadimplemento na pandemia da COVID-19”, esclareceu dúvidas dos participantes e fez apontamentos relevantes sobre o posicionamento das empresas diante do cenário atual.
Cristiano explicou que o alongamento das medidas de contenção, chamadas de lockdown, para enfrentamento da pandemia da COVID-19 é o que gera um dos maiores impactos na economia, com efeitos no fluxo de caixa, quebra das cadeias produtivas e inadimplemento contratual. Este último ponto se refere ao fato de as empresas não conseguirem cumprir os compromissos assumidos nos contratos.
Neste contexto, o especialista ressaltou a importância da Lei n. 13.874/19, denominada Lei da Liberdade Econômica, que trouxe inovações em prol da autonomia contratual e tornou os contratos mais fortes, paritários e simétricos, garantindo:
– Adoção de parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas e de seus pressupostos de revisão ou de resolução por ambas as partes.
– Necessidade de respeito à alocação de riscos definida inclusive em disputas judiciais.
– Excepcionalidade e limitação de revisão contratual.
Roveda analisou essas questões à luz da pandemia da COVID-19, considerada caso fortuito e força maior. Tanto a força natural da COVID-19 quanto as medidas de enfrentamento adotadas pelo governo são consideradas:
– Imprevisíveis, pois ninguém poderia prever a extensão de uma situação como esta ao elaborar um contrato.
– Inevitáveis, pois não há nada que as partes poderiam ter feito antes ou durante o pacto contratual para evitar esse caso fortuito.
– Irresistíveis, já que, após o início da crise, não é possível uma das partes se opor ou agir de maneira diferente para mudar o desfecho no que diz respeito ao cumprimento ou não das obrigações contratuais.
– Inimputáveis, tendo em vista que não se pode atribuir à outra parte a culpa pelo caso fortuito ou força maior.
Nos casos dos contratos, a análise deve levar em consideração a ótica do credor e também do devedor e identificar os riscos e oportunidades. “Muitas empresas estão avaliando o impacto das situações atuais como uma forma de encerrar contratos ou equilibrá-los, gerando uma série de situações que podem ser aproveitadas ou se revelarem extremamente maléficas”, observou.
De acordo com a legislação brasileira, a configuração de caso fortuito ou força maior permite:
– Resolução do contrato, ou seja, seu encerramento. Esta é uma medida considerada drástica e destinada a casos excepcionais.
– Revisão do contrato com modificações das obrigações. Neste caso, o contrato é preservado, mas são feitos ajustes nas obrigações que foram assumidas anteriormente entre as partes.
– Afastamento de penalidades e prejuízos. Segundo o Código Civil, enquanto não for possível cumprir a obrigação, pode-se afastar multas e prejuízos decorrentes da mora que seriam aplicados em função do inadimplemento daquele compromisso.
Segundo Roveda, a tendência no direito brasileiro é a revisão do contrato, pois entende-se que é de interesse público preservá-lo e manter as relações contratuais e econômicas. “Há indicativos muitos fortes de que teremos uma quantidade muito grande de disputas judiciais sobre contratos descumpridos. A quantidade de relações rompidas será por causa dos impactos da pandemia e boa parte disso infelizmente acabará desaguando no poder judiciário”, destacou.
O advogado ainda enfatizou que a pandemia não pode ser considerada um passaporte para o inadimplemento de qualquer obrigação contratual, pois cada caso é um caso. Existem situações nas quais uma parte já cumpriu todas as suas obrigações e a outra não e nas quais questões como onerosidade excessiva e alocação de riscos, que podem dificultar o reequilíbrio do contrato, devem ser analisadas. Todas as cláusulas devem ser observadas com atenção. “Além disso, cabe mencionar que, nos contratos em que seja possível, a exclusão das responsabilidade do inadimplemento não acontece de maneira automática, cabendo ao devedor primeiro demonstrar para o credor que ele não teria condições de cumprir a obrigação de outra forma ou que pudesse adotar medidas mitigadoras para diminuição do prejuízo. É preciso demonstrar, não basta alegar caso fortuito ou de força maior”, esclareceu.
O especialista recomenda que as empresas ajam antecipadamente ao inadimplemento de qualquer obrigação e aponta estratégias importantes para um posicionamento adequado diante da situação atual. O primeiro passo é mapear as obrigações contratuais críticas para então analisar o risco de inadimplemento como credor e devedor, além de acompanhar a evolução das políticas públicas, fazer notificação premonitória observando o cumprimento de todas as obrigações que podem ser satisfeitas, negociar e celebrar aditivos contratuais e avaliar os efeitos da rescisão do contrato se for o caso. “Também é preciso se preparar para eventual disputa judicial, com documentação das circunstâncias, histórico dos elementos probatórios e elaboração de dossiês”, aconselhou.