Economista fala sobre a perspectiva global da economia e os cenários da política brasileira no enfrentamento da crise da COVID-19

25/05/2020 - Por: Redação GoNext
Economista fala sobre a perspectiva global da economia e os cenários da política brasileira no enfrentamento da crise da COVID-19

A pandemia da COVID-19 afetou países no mundo inteiro de maneira heterogênea e em velocidades diferentes. Entretanto, os impactos negativos foram profundos no contexto global – e os governos lançam mão de estratégias para enfrentar a crise, encurtá-la o máximo possível e minimizar suas consequências. Foi justamente sobre aspectos econômicos na perspectiva global e cenários da política brasileira que o economista, consultor e escritor Gilmar Mendes Lourenço falou no GoNext Fórum dessa quinta-feira (21). Lourenço é mestre em Engenharia de Produção, já atuou como diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e foi eleito “Economista Acadêmico Paranaense” pelo CORECON/PR.

Panorama da economia mundial

Na conjuntura internacional, o economista destacou que o mundo vinha de uma desaceleração cíclica da economia e partiu para a recessão da COVID-19. Entre 2011 e 2019, o PIB mundial cresceu cerca de 3,6% ao ano, enquanto o Brasil cresceu apenas 0,7% ao ano. Entretanto, no segundo semestre de 2018, houve uma exaustão do ciclo expansivo principalmente devido à guerra comercial entre China e Estados Unidos, ao aumento do protecionismo norte-americano e a questões geopolíticas de países como Rússia, Ucrânia e Irã. Com a pandemia do novo coronavírus, a taxa de crescimento mundial que estava em 3,3% no mês de fevereiro caiu para -3% em abril de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). “O FMI já projetava uma desaceleração, mas o episódio do coronavírus fez com que as projeções fossem revisadas para baixo. Isso que o FMI é considerado extremamente otimista”, explica.

Recessão econômica

A pandemia teve início em Wuhan, na China, em meados de dezembro. Com a quarentena, a recessão do país foi de -6,8% no PIB, depois de 28 anos de crescimento contínuo. Para se ter ideia, em abril de 2019, o crescimento chinês foi de 3,9% e, em março de 2020, o percentual caiu para 2,27%.

O Japão já vinha sofrendo uma recessão desde 2019 e a crise agravou o fato, com queda de -3,4% no PIB no primeiro trimestre deste ano. As projeções indicam que o país terá a pior recessão desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Nos Estados Unidos, no primeiro trimestre deste ano houve uma hesitação nas ações, com recessão de -4,8% do PIB, enquanto na Europa as 19 nações da zona do euro tiveram uma queda no PIB de -3,8%, pior índice da série histórica que começou em 1995.

Segundo dados do FMI, do IBGE e do Banco Mundial, o desemprego nos EUA saltou de 3,5% em fevereiro para 14,7% em abril. Na China, o percentual foi de 3,6% para 6,0%. No Chile, de 7,0% para 8,2%. No Brasil, de 11,6% para 12,2%.

Enquanto isso, a inflação teve queda na maioria dos países, resultando também na diminuição dos juros.

Socorro fiscal

Na tentativa de conter os impactos da crise, os governos buscaram estratégias de socorro fiscal e financeiro em todo o mundo, com pacotes que visam salvar vidas, empresas e empregos. O valor total aproximado da ajuda chega a US$ 9 trilhões. Entre os países que mais implementaram medidas fiscais para o combate à COVID-19 estão Islândia (7,8% do PIB), Grécia (7,6% do PIB), Estados Unidos (6,8% do PIB), Alemanha (4,9% do PIB), Japão (4,9% do PIB), Canadá (4,7% do PIB) e Brasil (3,5% do PIB).

“Ninguém previu esta crise e provavelmente é a maior desde a grande depressão que afetou o mundo entre 1929 e 1933. Por não surgir na economia, mas na saúde, ela vai exigir recursos muito mais expressivos do que o alocado na crise de 2008, por exemplo. O tamanho da disponibilização de recursos fiscais é enorme. Os dados do Brasil são um pouco distorcidos, pois são compilados e ainda não foram injetados na economia, principalmente a questão do crédito que ainda não chegou”, esclarece.

Curvas de retomada da economia mundial

Existem basicamente quatro curvas de retomada da economia e todas dependem da descoberta de remédios e vacinas para a COVID-19. As com menor chance de ocorrência são a V, que indica queda abrupta e recuperação rápida, e a L, com prostração da matriz econômica e incapacidade da economia de sair da crise. Por outro lado, as mais prováveis são a U, que aponta uma longevidade maior da crise, e a W, com subidas e descidas no número de casos e mortes, o que implica na diminuição e aumento de medidas de combate ao novo coronavírus.

“Tudo depende da descoberta no curto prazo de um remédio potente e de uma vacina para resolver o problema em definitivo. A curva em W é a mais provável, sendo que quarentenas e isolamentos sociais passam por afrouxamento em virtude da estabilização de casos e depois são fortalecidas novamente pelo aumento do contágio e mortes”, acrescenta.

Cenário brasileiro

Segundo o economista, o Brasil está na quarta “década perdida” em função da contínua queda do crescimento econômico. Nos anos 90, a gestão de Fernando Henrique Cardoso promoveu a abertura comercial e financeira, a desregulamentação do mercado, o processo arrojado de privatizações, a implementação do plano real, a eliminação da hiperinflação, a instauração de programas de transferência de renda, a lei de responsabilidade fiscal e a valorização do salário mínimo. Os resultados destas ações apareceram nos anos seguintes, no governo de Luís Inácio Lula da Silva.

“Lula herdou a maturação dessas ações, adotou a política conservadora que vinha sendo adotada por FHC, organizou e ampliou os programas de transferência de renda e continuou valorizando o salário mínimo. Ele também pegou carona no crescimento internacional. Porém, na crise de 2008, os gastos públicos aumentaram expressivamente e não houve crescimento da infraestrutura, criando uma bomba relógio que estourou na década seguinte. Além de ter errado muito, Dilma foi a grande vítima dessa bomba. Nesta década perdida, tivemos seis anos de recessão e estagnação”, aponta Lourenço.

Governo Bolsonaro

O economista destaca que, no governo atual, do presidente Jair Messias Bolsonaro, há uma ausência de um projeto abrangente e consistente de nação. Com equívocos caseiros, ausência de coesão interna, múltiplas correntes e polarização ideológica, somados à pouca experiência política, à relação hostil com a frágil e fragmentada base parlamentar e às frequentes demonstrações de desrespeito aos princípios democráticos mais elementares, o governo tem operado no improviso.

“Desde que venceu as eleições, Bolsonaro não para de atacar as oposições. Os partidos contrários, especialmente o PT, que estava praticamente morto, podem até ressuscitar na insistência de não governar e incentivar a polarização ideológica. Além disso, não há uma política econômica articulada e as diretrizes são confusas e limitadas. A reforma da previdência foi aprovada por causa do Congresso, o que irá promover uma economia de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos. Entretanto, o pacto federativo ficou no vácuo e perdido e segue engavetado no Senado”, observa.

Na visão de Lourenço, um Estado pouco eficiente e com dificuldades financeiras tem que priorizar as privatizações, que estão sendo realizadas no “varejo”, como vinha acontecendo no governo Temer, de portos e aeroportos. “Na gestão atual não foi privatizado quase nada e o Paulo Guedes, ministro da Economia, privilegiou algumas vendas e concessões sem um programa articulado. No que diz respeito à reforma tributária, não existe, não há proposta e ela não se manisfeta nos projetos que tramitam no Senado e na Câmara”, destaca.

Economia pós-COVID-19

A economia brasileira estava em um processo de recuperação, que foi interrompido pelo surgimento da pandemia do novo coronavírus. Somente pelo resultado do mês de março, considera-se que a economia do país já entrou em recessão. De acordo com dados do IBGE, a taxa de crescimento da produção industrial do país terminou o primeiro trimestre com dados negativos em todos os setores, desde os bens de capital, intermediários e de consumo duráveis até os semiduráveis e não duráveis. “A gestão econômica do governo Bolsonaro não é capaz de fazer com que a indústria se reerga. Informações da sondagem industrial divulgadas pela Confederação Nacional da Indústria mostram que em fevereiro e março a variação percentual do faturamento real, das horas trabalhadas na produção e do emprego foi negativa, assim como a utilização da capacidade instalada, que registrou a maior queda (49% em abril) da série histórica que teve início em 1998”, afirma.

Em relação ao comércio varejista, os indicadores do volume de vendas já sugeriam queda e despencaram no mês de março. As maiores quedas foram registradas nos setores de tecidos, vestuário e calçados (42,2%), veículos, motos, partes e peças (36,4%) e livros, jornais, revistas e papelaria (36,1%). Destaque apenas para o ramo de supermercados e de artigos farmacêuticos, que registraram crescimento de 14,6% e 1,3%, respectivamente. Os serviços também registraram queda, especialmente os de alojamento e alimentação (35,8%) e os prestados às famílias (33,4%).

O desemprego, que estava em queda, voltou a aumentar em janeiro, sendo que no primeiro trimestre deste ano 12,9 milhões de pessoas ficaram desocupadas e 27,6 milhões subutilizadas, segundo o IBGE. “A desigualdade social é assustadora no Brasil. 52,5 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza e 6,5 milhões na extrema pobreza”, aponta Lourenço.

Crise sanitária, econômica e social: como o governo Bolsonaro está gerindo a crise

Para o economista, o governo tem negado veementemente o poder do vírus em contraste com as avaliações científicas, práticas médicas e posições do Ministério da Saúde, de governadores e de prefeitos, que defendem o isolamento social.

“Há um antagonismo entre economia e saúde, mas estes dois fatores não são antagônicos e devem ser tratados simultaneamente. Além disso, a história da economia mundial mostra que a cartilha liberal não serve para superar crises profundas e sistêmicas como esta. O governo teve dificuldades em adotar uma postura mais agressiva de resgate do papel do Estado. Quem vai salvar as empresas enquanto não se resolve a doença? É o Estado”, declara.
Contudo, Lourenço destaca que o socorro depende de ações quase que exclusivas do Legislativo, como o auxílio emergencial aos vulneráveis, a PEC do orçamento de guerra e o apoio financeiro aos estados e municípios com a suspensão do pagamento das dívidas com a União até o final do ano e a compensação por perda de arrecadação. Enquanto isso, o Banco central é um financiador quase que direto do sistema com a aquisição de papéis públicos e privados. A drástica redução dos depósitos compulsórios e da SELIC ainda não chegou na ponta, assim como as linhas especiais de financiamento, empoçando a liquidez.

O governo também não assumiu o papel de coordenação das tarefas de gerenciamento e reversão do caos, se esquivando e colocando a culpa em terceiros. “A cada manifestação do presidente, o dólar sobe e as bolsas caem. Sua articulação com o Centrão é baseada na distribuição de cargos e orçamentos para salvar mandatos e a reputação dos filhos. Bolsonaro vem se furtando do papel de gerenciamento da crise e reversão deste cenário. Além da guerra contra a pandemia, talvez a guerra mais importante neste momento é a guerra com governadores, imprensa e ministros”, comenta.

Todos estes fatores vêm deteriorando a confiança empresarial, que era de 99 pontos em fevereiro e caiu para 57,5 em abril segundo dados da FGV. Já o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), divulgado pela Confederação Nacional das Indústrias, estava acima dos 60 pontos em janeiro, indicando muita confiança, e em maio caiu para 34,7 pontos. A avaliação do governo também tem sofrido alterações, como mostra a pesquisa da XP/Ipespe, sendo que em maio foi avaliado como ruim ou péssimo por 50% dos entrevistados, 25% avaliaram como ótimo e bom e 23% como regular. “É a pior avaliação do governo Bolsonaro, mas não se compara aos tempos de Dilma e Temer. Neste momento, a população brasileira, apesar de não aderir plenamente, ainda apoia as medidas de isolamento e distanciamento social adotada pelos governadores”, enfatiza Lourenço.

Quando a crise vai acabar?

Lourenço afirma que quem atua com cenários e prospecções tem que ser realista e trabalhar essencialmente com informações. Por isso, sua expectativa está nos resultados do mês de abril da China, onde tudo começou. “Se os números mostrarem que a China voltou a crescer de uma forma consistente, acho que o cenário em V vai se concretizar para as principais economias. A Ásia como um todo tem chances de se recuperar em V, já que a princípio atingiu o vale da crise, controlou a pandemia e tende a voltar à normalidade no segundo semestre deste ano ou começo de 2021. Essa é a minha aposta. Mas a grande incógnita são os Estados Unidos, pois a curva diminuiu, os números são elevados e muitos estados estão anunciando a flexibilização das medidas de isolamento social. Resta saber se daqui 15 ou 20 dias o contágio vai cair ou aumentar. Se aumentar, volta o fechamento e o cenário em W se concretiza, o que seria muito ruim”, acredita.

O economista destaca que a expectativa tem que estar ligada à descoberta de vacinas e remédios o mais rápido possível. De qualquer forma, na sua visão a economia mundial tende a se recuperar, ainda que de forma díspar e heterogênea, a partir do segundo semestre deste ano. “O Brasil vai demorar um pouco mais, sendo que a questão política atrapalha bastante. O radicalismo do Bolsonaro tem múltiplos aspectos negativos, mas também tem facetas positivas. Era visível o monopólio da Rede Globo e a relação promíscua de governos com alguns veículos de comunicação. Bolsonaro não eliminou, mas restringiu drasticamente as verbas. De um lado, a mídia tem um sensacionalismo exacerbado, apenas com notícias ruins, e do outro lado o governo tem uma posição extremamente radical do ponto de vista político”, acrescenta.

Sobre o socorro aos empresários, Lourenço observa que é o momento em que o Estado tem que atuar de forma pesada e o Brasil deveria fazer isso com mais rapidez e competência. “O governo tem que gastar, emitir dívidas, emitir moeda, dar dinheiro para os empresários conseguirem manter os funcionários em casa e depois que tudo passar acertar as contas com aumento de carga tributária, reformas, menos impostos indiretos e mais imposto direto. A forma de pagar se resolve depois da pandemia. Entretanto, o governo está muito na defensiva. O empresário precisa de crédito, socorro financeiro e capital de giro para manter o mínimo de empregos e atividade. Para a economia não quebrar, o governo tem que jogar pesado. Os princípios intervencionistas são essenciais em momentos de crise e, por ser liberal o governo está com receio. Falta ousadia, visão estratégica e ação. É o Estado que tem que agir, pois a crise pode durar muito mais do que gostaríamos”, finaliza.

Por: Redação GoNext

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