A crise provocada pela pandemia da COVID-19 atingiu empresas de praticamente todos os setores e tamanhos. Acima dos negócios, o item mais valioso no mundo corporativo foi diretamente afetado: o capital humano. Consciente da importância do papel das pessoas nas organizações, a GoNext convidou Claudio Garcia, vice-presidente executivo de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da Lee Hecht Harrison – LHH, em Nova York, para falar sobre “COVID-19 e o dilema gente x governança” no GoNext Fórum desta terça-feira (14/04).
Especialista em Gestão de Negócios e Ciências do Comportamento, Garcia atua há 14 anos na LHH, empresa global com operações em mais de 60 países e referência mundial na gestão de pessoas, e há cinco mora em Nova York, atual epicentro da pandemia do novo coronavírus nos Estados Unidos. Para o convidado, analisar o cenário atual exige entender os horizontes de atuação das organizações quando se fala em inovação. São três:
Horizonte 1: a empresa conhece a necessidade do cliente ou do mercado e tem conhecimento e capacidade para entregar a solução. É possível fazer melhorias nas operações, nos processos e nos serviços para ter mais eficiência.
Horizonte 2: a necessidade do mercado é conhecida, porém, ainda não existe conhecimento sobre como supri-la. É preciso investir em novos conhecimentos, contratar profissionais e consultorias e adquirir maquinários. A área de necessidade já existe, mas toda a tecnologia envolvida para entregar a solução deve ser desenvolvida.
Horizonte 3: a necessidade ainda não foi identificada ou não foi explorada. Não existe solução pronta no mercado para solucionar o problema.
Cada horizonte exige capacidades distintas, e conquistar novas habilidades demanda investimento de tempo, energia e dinheiro. Durante este aprendizado, a produtividade cai em um curto prazo e depois melhora. Para atingir esta maturidade, o empresário deve olhar por várias perspectivas, analisar o custo de aquisição e pensar em alternativas que possibilitem novas escolhas de tecnologia, processos e modelos de operação, desenvolvimento de habilidades profissionais e mudança de mindset.
“O modelo Toyota, de melhoria contínua, é um exemplo do horizonte 1. Já a General Electric se encaixa no horizonte 2, pois adquiriu muitas competências com diferentes aquisições. O horizonte 3 pode ser ilustrado pela Uber, uma empresa que ofereceu um serviço melhor e mais barato que o táxi e que, porém, é um negócio insustentável. Além de não ter perspectivas de dar lucro, destrói negócios tradicionais com soluções que não são viáveis. A Amazon também entra neste contexto, pois durante 15 anos foi sustentada com dinheiro de investidores e quebrou muitas varejistas sem ser um negócio viável”, comentou.
Após a crise de 2008, a maioria dos incentivos econômicos favorecem o capital especulativo, criando uma corrida para manter estas operações e justificar seu valor de mercado. “É preciso investir em aproximadamente 250 empresas para que quatro atinjam break-even e uma vire um unicórnio, segundo o consultor Alexander Osterwalder. Na revolução digital, as oportunidades são exponenciais assim como os riscos”, destacou.
Importância do capital humano para superar a crise
Com a COVID-19, os impactos podem ser sentidos no presente e no futuro. Poucas empresas vão vencer este período, muitos balanços já estão fragilizados e a desigualdade vai aumentar ainda mais. Por isso, as companhias devem “simplificar o formal e fortalecer o informal” para superar a crise, ou seja: colocar pessoas com pensamentos diferentes para estimular o negócio e buscar novas respostas para os problemas. “A polarização política, a vulnerabilidade social e a violência são coisas que estavam acontecendo antes da pandemia, mas estavam mascaradas. Agora, a única certeza que temos é que a desigualdade vai aumentar, podendo chegar a níveis vistos antes da Segunda Guerra Mundial. Afinal, é mais fácil os poucos ricos conservarem dinheiro do que a população mais pobre. Não quero ser pessimista, mas sim realista. E no passado a desigualdade causou guerras ou revoluções, então precisamos estar atentos”, orientou.
As políticas públicas implementadas para conter a disseminação do novo coronavírus mostram que é preciso fazer sacrifícios agora para ter benefícios no futuro. “Muitos empresários têm dificuldade de pensar a longo prazo, mas é necessário. Não dá para querer ser competitivo agora, o negócio é sobreviver”, enfatizou. Garcia ressaltou que é difícil prever o que vai acontecer após a crise, mas a expectativa é que surja um “novo normal” com a criação de novos hábitos. Quem não utilizava delivery, por exemplo, passou a usar e a ver os benefícios.
“Muitas coisas de diferentes setores vão mudar. É hora de aproveitar as dinâmicas que estão acontecendo para criar modelos de negócios que atendam as demandas lá na frente. As coisas mudam todos os dias e você tem que agir enquanto continua andando. Não é desenhar a estratégia, é fazer a estratégia. Isso muda completamente a forma de gestão de pessoas. É preciso maturidade para ter cabeças que pensam diferente de você. E as pessoas têm que vir antes das decisões de negócios para possibilitar a capacidade de repensar o que está acontecendo”, explicou.
Ao ampliar a capacidade de se repensar, é possível reduzir os custos do aprendizado. Os conselhos, por exemplo, devem analisar se possuem os talentos necessários para serem parceiros nas discussões. “Tem tudo a ver com a capacidade e a diversidade do capital humano. Os conselheiros têm que ter pensamentos distintos para as empresas não pensarem todas iguais. Essa é uma crítica constante que eu escuto em relação ao Brasil, por isso é fundamental investir na diversidade”, finalizou.