A eficiência na gestão tributária é fundamental para qualquer empresa. Em um período de crise como o que o mundo enfrenta hoje, compreender as oportunidades e soluções relacionadas à função fiscal é essencial para manter a liquidez do negócio. Devido à relevância deste assunto, o GoNext Fórum convidou Hadler Martines, sócio da PwC Brasil, para apresentar perspectivas no cenário atual e no pós-crise. Martines é graduado em Direito e Ciências Contábeis, especialista em Direito Tributário, mestre em Administração e diretor do comitê de legislação tributária e empresarial do Instituto Brasileiro de executivos de Finanças (IBEF-PR).
Para Martines, em um ambiente de profundas incertezas e crise sem precedentes, os empresários devem entender e traçar planos para conduzir a recuperação do negócio. Os desafios que surgiram com a COVID-19 exigem ações imediatas no que diz respeito à gestão tributária. Entre as principais dificuldades estão o gerenciamento das equipes de maneira remota, a continuidade das rotinas e processos das atividades fiscais, o acesso ao tráfego de dados, a conformidade nos prazos de entrega e pagamento de tributos, e o fortalecimento do caixa com as chamadas agendas tributárias. “A área tributária é complexa, conflituosa e cheia de desconfiança tanto das empresas quanto do fisco. Estes desafios podem se transformar em oportunidades para que a função fiscal auxilie efetivamente na recuperação da empresa e na volta à normalidade”, ressaltou.
O especialista explicou que é preciso entender os impactos da crise para se adaptar e se preparar para as disrupções atuais e futuras. Neste contexto, Martines dividiu a crise em três ondas.
Onda 1
Se refere aos 45 primeiros dias da crise e exige respostas imediatas. Neste momento, a liquidez é muito importante e a parte tributária pode ajudar. O empresário deve analisar as opções, verificar se o recolhimento dos impostos faz sentido, se é melhor postergar o pagamento ou se faz a declaração do saldo sem recolhimento. “A principal meta é manter a rotina tributária e, ao mesmo tempo, manter a liquidez do negócio”, enfatizou.
Entre os pontos a serem observados na primeira onda estão o trabalho remoto, a continuidade e eficiência das atividades, aderência ao compliance, proteção do caixa, captura de créditos fiscais subaproveitados, captação de recursos estruturada em créditos fiscais efetivos ou contingenciais e monitoramento de regras de adiamento de prazos e incentivos adicionais. “Rever os créditos tomados e incentivos usados nos cálculos de tributos é importante para acelerar a quantificação e monetização dos valores, promovendo um caixa extra para a empresa”, observou.
Onda 2
Na segunda onda, que compreende o período entre 45 e 90 dias após a crise, a empresa deve se adaptar à nova realidade. É essencial revisar o perfil de risco fiscal e ajustar as políticas relacionadas diante do “novo normal” estabelecido pela COVID-19. Também é preciso analisar novos modelos de negócios com maior eficiência fiscal, automatizar processos no conceito de small automation, desenvolver novos modelos para a função fiscal e colocar em prática novas habilidades adquiridas pela equipe. A crise pode ajudar a refletir sobre modelos mais enxutos, flexíveis, escaláveis e com mobilidade. “Este é o momento de reavaliar a matriz tributária junto aos assessores, pois ela pode ser muito conservadora ou muito arrojada”, apontou.
Onda 3
Na terceira onda, consolidada entre 90 e 120 dias após a crise, a empresa deve ter visão de futuro e definir estratégias da função fiscal. Com a retomada dos negócios, o empresário deve ter em mente uma agenda de crescimento, buscar estruturas mais enxutas e automatizadas, e buscar insights relevantes para o negócio. O aprendizado do “novo normal” da função fiscal foi intenso e o processo deve estar mais eficiente, digitalmente capacitado e em um nível estratégico. Os processos de automação podem se tornar mais abrangentes e ter o suporte de tecnologias apropriadas, com a definição de jornadas contínuas de melhorias.
“A gente entende como tendência o investimento cada vez maior em tecnologia. A automação da parte tributária é importante até para dirimir problemas de falta ou redução de mão de obra e isso demandará que a área tributária faça mais com menos. Uma saída é o investimento em robôs fiscais, que permite a realização de trabalhos que antes eram feitos por uma pessoa. Nessa terceira fase, de expectativa de saída da crise, podem acontecer fusões e aquisições. A previsão é ter um crescimento muito relevante quando o cenário estiver mais estável e muitas empresas podem ser vendidas e incorporadas a outras, especialmente as que passaram por um momento difícil de caixa nestes meses”, acrescentou.
Medidas adotadas no Brasil
Fernando Socreppa, gerente de consultoria tributária da PwC Brasil, também participou da videoconferência e evidenciou que as medidas tributárias adotadas no Brasil devido à crise da COVID-19 foram tímidas e, no geral, não foram vistos grandes impulsos para ajudar os negócios ou estimular a economia. No geral, as medidas podem ser divididas em três grandes grupos:
– Redução na carga tributária somente de produtos considerados essenciais para o combate da pandemia, como medicamentos, artigos de laboratório e artigos de segurança em hospitais.
– Dilatação da prorrogação de prazos para o pagamento de determinados tributos e transmissão de algumas obrigações acessórias.
– Agilidade na importação de mercadorias necessárias para o combate da COVID-19.
“A crítica em relação à prorrogação da entrega das obrigações acessórias e a postergação do pagamento é que, em algum momento, o tributo postergado vai se confundir com o tributo de competência lá na frente. Na prática, a gente não verifica um estímulo dessa medida, mas sim é mais uma conscientização do governo de que muitas empresas não vão conseguir transmitir suas obrigações. No caso do Simples Nacional, as empresas tiveram sim postergação do ICMS federal e estadual, e a crítica que se faz é porque apenas esta categoria foi incluída nesta pauta”, ressaltou Socreppa.
O gerente ainda afirmou que outras medidas poderiam ser avaliadas pelo governo para auxiliar as empresas, como rever o limite de utilização de prejuízo fiscal, avaliar outras formas de monetização de prejuízo fiscal, reabrir os prazos para venda de créditos de ICMS e criar formas de monetização de créditos tributários acumulados.
Matriz de riscos
Martines salientou que as organizações necessitam ter uma matriz de risco para avaliar as medidas que devem ser adotadas de maneira imediata e quais serão os resultados. Na prática tributária, o cenário precisa ser reavaliado e a tomada de decisões deve ser feita em conjunto com outros líderes. “Cada empresa tem sua necessidade e terá sua própria matriz de risco. Não é difícil começar. A matriz é uma espécie de mapa com as práticas tributárias adotadas, os riscos, as medidas que devem ser tomadas em relação aos riscos e as pessoas designadas para a tomada de decisões”, explicou.
A matriz deve ser estruturada com base nos impactos financeiros dos procedimentos tributários, que podem resultar em retorno financeiro baixo, médio ou alto, e na chance de êxito em caso de eventual questionamento ou fiscalização, que pode ser baixa ou média de acordo com os entendimentos dos tribunais administrativos e judiciais, e alta considerando recentes decisões e leis.
Gestão tributária na retomada pós-crise
A função fiscal pode contribuir com a recuperação e manutenção de caixa das empresas ao avaliar as alternativas de redução de tributos, aceleração de uso de créditos fiscais, revisão de posições mais conservadoras sobre os créditos fiscais, aproveitamento de incentivos fiscais ordinários e os criados em bases excepcionais, venda de créditos fiscais e operações de dívida envolvendo créditos fiscais efetivos ou potenciais.
Na questão jurídica, a organização pode avaliar os principais temas, como o impacto e operacionalização de regimes legais de trabalho durante a pandemia, a extensão de prazos ou benefícios previstos na legislação fiscal e os impactos de negócios que devem ser considerados do ponto de vista de risco jurídico em virtude das condições excepcionais da economia.
O último ponto que precisa ser avaliado é referente ao uso da tecnologia para automação dos processos fiscais, com redirecionamento de recursos para as atividades mais críticas, como a gestão do encargo tributário como vetor de geração de caixa. Também é necessário identificar como os processos podem ser melhorados e se a equipe está preparada para a utilização das novas ferramentas. “A avaliação deve ser feita de ponta a ponta para verificar o que é possível automatizar. A automação na área tributária pode ter um retorno muito grande para as empresas”, finalizou Martines.