Estrutura institucional de governança familiar e o papel do Conselho de Herdeiros

23/07/2025 - Por: Redação GoNext
Estrutura institucional de governança familiar e o papel do Conselho de Herdeiros

O desafio da sucessão nas empresas familiares brasileiras 

As empresas familiares são a espinha dorsal da economia brasileira. Segundo dados da PwC Brasil e do IBGE, essas organizações representam aproximadamente 90% das empresas privadas não estatais no país, são responsáveis por cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e empregam em torno de 75% da força de trabalho brasileira. Apesar dessa relevância econômica e social, enfrentam um desafio recorrente: a longevidade.  

Ainda de acordo com a PwC Brasil, somente entre 24% e 41% das empresas familiares têm um plano de sucessão formal. Isso significa que, mesmo diante da consciência sobre a importância da continuidade, a maioria ainda atua de forma reativa ou informal quando o assunto é transição de liderança. A ausência de planejamento sucessório, de estrutura de governança e de clareza nos papéis entre sócios, gestores e membros da família está entre os principais fatores que explicam a fragilidade desse modelo ao longo do tempo. 

O Conselho de Herdeiros como instrumento de continuidade 

Diante desse cenário, cresce o reconhecimento da importância da estruturação de instâncias de governança familiar, sendo o Conselho de Herdeiros uma das mais estratégicas. Diferente do Conselho de Administração, o Conselho de Herdeiros é composto exclusivamente por membros da família que fazem parte da nova geração, independentemente de estarem ou não diretamente envolvidos na gestão da empresa. Seu objetivo é preparar esses futuros líderes para assumirem seus papéis como sócios responsáveis, conselheiros estratégicos ou mesmo executivos, de maneira profissional e alinhada aos valores da família empresária. 

Esse tipo de conselho atua como uma escola de governança, proporcionando aos herdeiros formação contínua, vivência sobre o negócio, conhecimento dos princípios do fundador e familiaridade com os processos de decisão. O pesquisador e educador Ivan Lansberg, referência global no tema, reforça a importância dessa preparação ao afirmar que “a ausência de representação familiar estruturada nos conselhos torna difícil alinhar os interesses dos proprietários com os da empresa de forma sustentável”. 

A atuação do Conselho de Herdeiros também favorece a separação entre os papéis de sócio, membro da família e executivo, reduzindo os tradicionais conflitos que surgem quando essas funções se confundem. É essencial que cada integrante da família empresária compreenda com clareza a diferença entre ser proprietário, familiar e colaborador da empresa, e que exista um espaço estruturado para desenvolver essa consciência. O Conselho de Herdeiros cumpre exatamente esse papel ao proporcionar formação e alinhamento desde cedo. 

Além da formação técnica, o envolvimento no Conselho estimula o senso de pertencimento e compromisso com o legado familiar. Os herdeiros aprendem a dialogar, a tomar decisões em grupo, a lidar com divergências e a desenvolver uma visão estratégica do negócio, antes mesmo de ingressarem formalmente nos órgãos de governança da empresa. 

O case do Grupo Jacomar 

Um exemplo emblemático de sucesso na estruturação do Conselho de Herdeiros é o do Grupo Jacomar, rede de supermercados com sede em Curitiba. Fundada em 1966, a empresa está hoje na segunda geração de gestão, formada por oito irmãos, e já iniciou a integração da terceira geração por meio de um Conselho de Herdeiros ativo. 

Atualmente, vinte jovens membros da família participam de reuniões mensais, algumas presenciais, outras híbridas, para facilitar o envolvimento daqueles que residem fora do estado. Essas reuniões têm caráter formativo, com discussão de temas ligados à cultura da empresa, à profissionalização da gestão, à digitalização dos processos e à preservação dos valores institucionais herdados dos fundadores. Alguns dos herdeiros mais envolvidos também participam como ouvintes das reuniões do Conselho de Administração, fortalecendo o vínculo entre as gerações e acelerando o processo de aprendizagem e sucessão. 

Esse modelo implantado no Grupo Jacomar tem sido decisivo para o fortalecimento do vínculo familiar com o negócio e para a construção de uma sucessão planejada e saudável. Ao institucionalizar um espaço de escuta, formação e convivência estratégica entre os herdeiros, a empresa cria as condições necessárias para que os próximos líderes assumam responsabilidades de maneira estruturada, com legitimidade e preparo. 

Pesquisas e tendências no Brasil e no mundo 

Estudos recentes reforçam que empresas familiares que adotam práticas institucionais de governança, como conselhos de herdeiros e protocolos familiares, apresentam desempenho significativamente superior à média. A pesquisa “Global Family Business Survey 2024”, realizada pela KPMG em parceria com o STEP Project, apontou que empresas com práticas de empreendedorismo transgeracional e estrutura de governança familiar clara apresentam melhor desempenho financeiro, maior longevidade e níveis mais altos de confiança e coesão interna. No Brasil, a mesma pesquisa revelou que apenas 31% das empresas familiares possuem Conselho de Administração, e uma proporção ainda menor possui instâncias formais de governança familiar. 

Complementando essa análise, um estudo da Fundação Dom Cabral demonstrou que empresas familiares com conselhos bem estruturados apresentam uma rentabilidade até 23% superior àquelas que não possuem esses mecanismos. Já a PwC, em sua edição brasileira do estudo “Family Business Survey”, reforça que o elemento central para a sustentabilidade dos negócios familiares é a confiança e que ela só se constrói com transparência, diálogo e estruturas institucionais robustas. 

Instituir um Conselho de Herdeiros é uma decisão estratégica para qualquer empresa familiar que deseje garantir sua continuidade e perenidade. 

Mais do que preparar sucessores, trata-se de formar líderes com visão de longo prazo, consciência do papel que exercem como sócios e capacidade de manter vivo o legado familiar em um mundo em constante transformação. 

O case do Jacomar ilustra com clareza como a governança familiar estruturada é capaz de unir gerações em torno de um propósito comum, criando condições para que a sucessão ocorra com preparo, harmonia e foco no futuro. Em tempos de disrupção, consolidar essas estruturas não é apenas desejável, é essencial. 

Gilson Faust é Diretor e Consultor Sênior na GoNext

Por: Redação GoNext

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